Redemoinho #2 - As cartas de Marlon Ramos para sua mãe
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Olá, pessoal, tudo bem?
E vamos para a segunda edição da Redemoinho! Fiquei muito feliz pela taxa de leitura da nossa estreia e acabei aumentando um pouquinho o texto dessa edição. Ah, também começamos uma nova seção: Prosa Científica vai dar espaço para pesquisadores do campo literário falarem um pouco sobre o que estão investigando. É preciso sempre aproximar a academia e a sociedade, não é?
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Por falar em aproximar, nesta edição vamos abordar um pouco sobre gênero textual que é amado por muita gente: as cartas. No meio da pandemia, eu comecei a fazer o projeto Quando Chegou Carta, um podcast de leitura de correspondências entre artistas, a maioria escritores, e foi muito bacana, porque me sentia também conectado aos ouvintes. No momento, o projeto está parado, mas os episódios seguem lá no streaming, já a leitura e o espírito do podcast continuam aqui nessa Newsletter.
Marlon Ramos é um desses apaixonados por cartas e foi nesse formato que ele encontrou o melhor modo de se comunicar e de se aproximar da sua família, mesmo que alguns deles não estejam mais presentes fisicamente. Ele está lançando o livro A Vitória do Afeto, que sai agora pela editora Malê. São cartas para sua mãe Maria, que faleceu em 2020, para seu avô Antônio, que ele não chegou a conhecer, mas que surge de boas lembranças de sua avó Dona Terezinha. As cartas são escritas sempre com muito lirismo (Marlon também é poeta e tem um livro de poesias), procurando um olhar sensível e também trazendo a vivência de pessoas pretas.
“Eu já estava escrevendo cartas para o meu avô, antes da pandemia, eu queria saber mais sobre ele e deixar registrado toda essa memória que a minha avó passou. E as cartas surgem nesse momento também por causa dessa relação de mãe e filho que nunca aconteceu, porque desde que eu nasci eu fui criado pela minha avó. E quando a gente se aproximou foi algo muito recente, de 2016 para cá. Foi tipo um pouco mais de quatro anos, só que eu consegui aproveitar de fato a minha mãe. Então, as cartas vêm daí e também engloba o luto...E como foi na pandemia tem essa não possibilidade de viver o luto”, diz.
As cartas historicamente têm esse caráter de arquivo, registro, que servem como uma base da criação de uma memória pessoal e coletiva também. Uma vez entrevistei o professor da USP Marcos Antônio de Moraes, referência da pesquisa na área, e ele me comentou que para se pensar em termos de contribuição do campo de estudo da troca de carta é que elas podem dar uma outra visão, uma nova visão, complementar do autor. Ou seja, é possível entender também a sua literatura não mais como resultado final e fechado, mas enquanto processo. A obra em construção.
Voltando ao trabalho de Marlon é interessante notar essa busca pelo diálogo, o que torna a subjetividade e o tom confessional ainda maior. Lá no fim da carta tem uma leitura minha de uma das cartas dele. Ao mesmo tempo, ele conta que também procura um olhar otimista.
“Foi algo muito catártico e doloroso. Mas também de toda essa dor, de todo esse luto, essa tristeza que está ali, eu busquei um outro lugar, um lugar de conforto, de carinho, de amparo, a possibilidade de afeto mesmo, como o próprio nome do livro diz. Mas a linha narrativa é uma conversa. Como se eu tivesse conversando com ela, como se fosse um encontro. E ao mesmo tempo conversando com o meu avô. Enquanto ela faz a passagem, eu estou descobrindo mais coisas e me aproximando do meu avô de alguma forma e ao mesmo tempo tentando deixar registrada a memória da minha avó, que para mim é muito valiosa, tem uma bagagem enorme”, conta.
Marlon além de escritor e poeta é também livreiro. Em 2017, começou a escrever seus textos e poesias no Facebook. Chamou a atenção de grandes nomes da literatura do Rio Grande do Sul, como Ronald Augusto e Eliane Marques. Em 2018, participou da revista Ovo da Ema, sua primeira publicação. Também em 2018, começou a participar da produção da Festipoa Literária, festival literário de Porto Alegre, e da Balada Literária, festival literário em São Paulo. Agora vai lançar o livro primeiramente no Rio de Janeiro. As cartas vieram para ficar? No momento, ele é só felicidade.
“Eu descobri que é sensacional a possibilidade de criar mesmo escrevendo uma carta. Acredito que não é algo fechado como um romance, uma poesia…Tirando desse núcleo clássico e intocável, escrever cartas é uma das melhores coisas que a gente pode fazer. Tanto para quem está escrevendo quanto para a pessoa que recebe. E outra: foge dessa questão do imediatismo das redes sociais, das mensagens e tudo mais, mas o ato de pegar a caneta, de sentir, colocar teu sentimento para escrever, esse trabalho tem uma intensidade diferente. E o livro está chegando na mão das pessoas e isso está me deixando muito, muito feliz.”
Prosa científica: as trocas entre Mario de Andrade e Ademar Vidal
Amanda Cruz é formada em Letras e atualmente cursa mestrado no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), mas sua história começa bem antes, quando seus pais saíram do nordeste, mais especificamente dos estados do Piauí e do Ceará, em busca de oportunidades no sudeste. “Os dois não chegaram nem a terminar o ensino fundamental e por isso, cresci em uma casa sem livros. Mas a minha mãe, apesar de não ser uma leitora, sabe ler e guardo com muito carinho a lembrança de que foi ela quem me ensinou a ler as minhas primeiras palavras”, conta.
Em sua pesquisa, ela se dedica ao estudo da obra e da correspondência de Mário de Andrade, como explica abaixo. Ela lembra que a primeira vez que “conheceu” o autor foi com o livro infanto-juvenil “O Mário que não é de Andrade”, da Luciana Sandroni, quando ainda era criança. Mais tarde no curso de Letras, da USP, se inscreveu em uma disciplina chamada “Memorialismo Brasileiro: Cartas”, que dava um panorama geral desse gênero textual em nosso país. “Confesso que me matriculei porque na ementa dizia que uma das aulas seria sobre as cartas do Mário, mas me apaixonei pelo gênero como objeto de estudo e por isso no final do curso perguntei ao professor se ele poderia me orientar em uma iniciação científica. Meio tímida e nervosa, falei que gostaria de estudar o Mário mas que ficava receosa porque achava que muita gente já tinha feito isso e talvez não tivesse sobrado nada para eu falar sobre”, conta.
O professor era Marcos Moraes (citado mais acima) que lhe disse, com muita gentileza, que o autor era muito grande e que ainda havia muito o que investigar na obra dele. “Diante disso, falei um pouco das coisas que mais me interessavam na obra de Mário de Andrade (folclore e manifestações de cultura popular) e o professor sugeriu que eu lesse a correspondência do Mário com Ademar Vidal”, completa.
Confira nossa mini entrevista com Amanda:
1) O que é a sua pesquisa? O que você busca com ela?
O meu trabalho consiste em preparar para edição o conjunto de mensagens trocadas entre os escritores Mário de Andrade (1893-1945) e Ademar Vidal (1897-1986), no período de fevereiro de 1929 a janeiro de 1945. A edição dessa correspondência favorece a difusão de documentos inéditos e pode oferecer novos subsídios biográficos sobre os interlocutores e suas obras, sobre aspectos históricos que enquadram a correspondência, bem como matéria para a ampliação do conhecimento das redes de sociabilidade no modernismo brasileiro. Esse conjunto de cartas tem me feito refletir principalmente sobre dois pontos nos últimos tempos: o estabelecimento de uma rede de sociabilidade como principal ganho da viagem feita por Mário de Andrade ao nordeste brasileiro entre 1928 e 1929 e a figura da mulher dentro da correspondência de Mário de Andrade com outros intelectuais.
2) O que a investigação científica da leitura de troca de cartas pode nos ensinar? Há uma tentativa de relacionar assuntos com momentos atuais também?
O que eu mais gosto nas cartas é que elas não são uma coisa só então além de um meio de comunicação bastante pessoal, elas também se apresentam como arquivo literário e dimensão histórica mas penso que temos que ter a atenção de ler esse tipo de texto de maneira crítica quando utilizados como ferramentas científicas.
As cartas são um meio de reconstituir os costumes de uma época, é possível fazer uma leitura do modernismo brasileiro, por exemplo, só olhando para o que foi produzido de cartas nesse período, acho isso fascinante mesmo. Ano passado li uma carta da Clarice Lispector para a Elisa Lispector e pensei que a beleza de ler e estudar cartas também reside em encontrar recados e conselhos que não foram direcionados pra gente mas que podemos acatar para as nossas vidas a depender do momento em que eles chegam até a gente, o trecho dizia: “Enfim… Minha querida, cuide-se, como se você fosse de ouro, ponha-se você mesma de vez em quando numa redoma e poupe-se.”
Em outras notas
- Valorizando a memória do pensamento crítico na literatura, a editora Todavia começa a publicar a partir deste mês a obra de Antonio Candido, um dos maiores intelectuais da história do Brasil. A primeira leva traz cinco livros: Formação da literatura brasileira (1959), Os parceiros do Rio Bonito (1964), Literatura e sociedade (1965), O discurso e a cidade (1993) e Iniciação à literatura brasileira (1997). Os títulos chegam às livrarias no dia 24 de março.Todos eles vão ganhar, pela primeira vez, versões digitais em e-book. No segundo semestre e em duas levas semestrais em 2024, virão mais títulos. Junto a isso, no site da Todavia serão publicados ensaios inéditos sobre cada um dos livros relançados, boa parte dos autores foram formados por professores que foram alunos de Antonio Candido.
- Chico Science, um dos artistas mais influentes na música brasileira, ganhou um acervo digital, lançado no dia 13 de março, data de seu aniversário. O site reúne dezenas de poemas, diários de viagens, anotações, letras e comentários escritos durante a sua vida. Trata-se de um total de 27 cadernos e várias outras páginas avulsas que ajudam a perpetuar a memória do artista. A responsável pelo projeto é Maria Goretti de França, irmã de Chico. “Voltar a me debruçar sobre os escritos de Chico e mergulhar mais uma vez no universo de suas histórias, cruzadas com a de tantas outras pessoas, fez-me viajar no tempo e reviver momentos nossos, a solidão de sua perda e o caminho até aqui. Carreguei seus cadernos por vinte e cinco anos, por todos os lugares por onde passei, até aportar nesse site - um lugar virtual que agora se enche de concretude de suas palavras, da sua força e seus afetos”, escreveu Goretti no acervo digital.
- O Nonada Jornalismo trouxe uma matéria bem bacana com indicações de livros para ler com as crianças e abordar assuntos relativos à diversidade em vários campos, criando assim novas memórias. “Ao acessar histórias com personagens, histórias e autorias nas quais a criança se reconhece, pode ser uma forma de apresentá-la de modo positivado e sem estereótipos para assuntos estigmatizados pela sociedade”, escreveu a repórter Anna Ortega. Livros como Guayarê: o menino da aldeia do rio, de Yaguarê Yamã, e Rosa é cor de menina?! Existe isso? , de Bruna Fontes, estão na lista. Leia aqui para ver todas as obras.
Apóstrofos
- O livro Recordações do escrivão Isaías Caminha, do grande Lima Barreto, está ganhando uma reedição especial com ilustrações de Edson Ikê e posfácio da pesquisadora Fernanda Souza. Tá rolando um Catarse para que a publicação consiga sair.
- A Feira do Livro, organizada pela Associação Cultural Quatro Cinco Um, volta para uma segunda edição durante o feriadão de Corpus Christi, de 7 a 11 de junho, em São Paulo. Entre os nomes confirmados estão o escritor, tradutor, pesquisador e crítico Richard Zenith, biógrafo de Fernando Pessoa.
- No fim de fevereiro, foi eleita a nova presidente da Câmara Brasileira do Livro, Sevani Matos. Com a plataforma intitulada “O Livro nos Une”, a ideia é trazer importantes contribuições para uma renovação da entidade. Confira algumas das ideias aqui.
Da memória
No momento de leitura aqui da Redemoinho, pedi uma indicação de carta para o Marlon Ramos, do seu livro A vitória do afeto, que está sendo lançado agora pela editora Malê. Ele me mandou a primeira carta, que abre o livro, justamente endereçada para sua mãe que tinha falecido recentemente. É uma carta sensível, dolorosa e bonita.
Quem faz a leitura sou eu mesmo, Rafael Gloria. Essa também é uma forma do podcast Quando Chegou Carta, Abri, que eu realizei durante dois anos, continuar vivo. Escute aqui:
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