Redemoinho #20 - Descobrindo livros: autores convidados indicam leituras para 2024
A newsletter de literatura do Nonada Jornalismo
Olá, pessoal, tudo bem?
Já fizeram uma lista de leitura para 2024?
Calma que a Redemoinho chegou para ajudar a construir essa lista! Convidei autoras e autores para indicarem livros para descobrir neste ano. E esse descobrir tem diversos sentidos, como vocês vão ver. Estou muito feliz por esses autores terem aceitado o convite.
Fora isso, ainda temos as tradicionais notas e a seção Apóstrofos. Muitas novidades ainda vão rolar por aqui durante o ano, então, fiquem atentos também no nosso instagram. Prometo aparecer mais por lá. Bom, vamos para o que interessa: os livros.
Dalva Soares indica Água Funda, de Ruth Guimarães
“Água Funda, de Ruth Guimarães (1920 - 2014), é o segundo romance de autoria negra publicado no Brasil (1946). Bem aceito pela crítica, recebeu elogios de Antônio Candido e Érico Veríssimo, entre outros. A autora teve destaque na cena literária brasileira e publicou outros 51 livros, entre crônicas, contos e traduções, mas foi esquecida ao longo do tempo. Água Funda fez com a linguagem o mesmo que Sagarana, de Guimarães Rosa, também publicado em 1946. Vale muito a leitura.”
Irka Barrios indica Onze estreias, de Fred Linardi
“É uma obra de não ficção publicada pela editora O Grifo em 2021. Apoiei a campanha de pré-venda, mas só tive o encontro com Gabriella Argento, a primeira palhaça brasileira a compor o elenco do Cirque du Soleil, em maio do ano passado, na sala de espera da clínica em que acompanhei uma consulta de minha mãe. Linardi escolheu iniciar sua história a partir de um acidente (trágico) que Gabriella sofreu em cena, o que me conectou de imediato à leitura. A gente sabe pouco sobre palhaços/palhaças. Imaginamos que sejam pessoas que passam o tempo todo se divertindo. Imaginamos o circo e seu convite à fantasia tão próxima do universo infantil. Em sua obra, Linardi mostra mais de uma faceta desta vida nem tão engraçada assim. Há, claro, os momentos de glória, de aplausos. E há as dificuldades, as lesões, a solidão longe da família. Mesmo assim, a história de Argento não é penosa de ler. É instigante, um mergulho numa vida rica de experiências. A recente morte trágica, no Amazonas, da palhaça Jujuba me fez pensar em Onze estreias e no compromisso do artista para com seu público. Jujuba viajava de bicicleta realizando espetáculos pelo Brasil. Gabriela Argento sofreu uma lesão que a tirou dos palcos por mais de ano. São entregas apaixonadas, que só podem vir de verdadeiras artistas”.
Thiago Souza de Souza indica O tribunal da quinta-feira, de Michel Laub
“‘Você pode escapar de uma época, mas não de todas as épocas. Bem-vindos ao tribunal’, diz o narrador do romance. A frase dá o tom de um livro que se arrisca, interessado que está em tratar de um tema complexo tornando-o ainda mais complexo, por vezes incômodo. O livro foi lançado à época em que o Facebook vivia o auge como uma arena pública que conseguia mobilizar, de um lado, pessoas sedentas por exibir virtudes, e, do outro, alvos que, uma vez expostos ao escrutínio do tribunal, já não tinham mais o que fazer a não ser ajoelhar no milho — porque, se as redes sociais condenam, você é culpado, e ponto. Não há nuance e, se não há nuance, os limites entre o público e o privado não mais existem. Uma conversa íntima é vazada, e a ética e a moral agora são conceitos ambíguos, nessa época (de lá pra cá, a vida em comunidade na internet só piorou), da qual até o leitor que vê a si mesmo como virtuoso e bom não escapa. Gosto dos trabalhos do Laub porque eles se recusam a reduzir um problema buscando atalhos ou dando tapinha nas costas do leitor, que é quase como oferecer um petisco a um pet que se comportou como o esperado: se identificar moralmente com o protagonista.”
Matheus Borges indica Mês de cães danados e A festa no castelo (ambos de Moacyr Scliar)
“São romances curtos que se passam na Porto Alegre da Legalidade e às vésperas do golpe de 1964. Nesse cenário, Scliar situa a formação e as aventuras de dois narradores-personagens muito distintos (e, em certa medida, complementares). A prosa de Scliar é ferozmente engraçada e o humor serve aqui para iluminar, ainda que projetando sombras bem compridas, no turbilhão da nossa história recente.”
Ângela Hofmann indica Carolinas: a nova geração de escritoras negras brasileiras, organização de Julio Ludemir
“Carolinas é múltiplo não só por apresentar 180 escritoras negras brasileiras, herdeiras de uma tradição literária sonhada por Carolina Maria de Jesus, e ser produzido a partir da orientação de escritores como Eliana Alves Cruz e Itamar Vieira Júnior. É manancial, por revelar em seus oito capítulos diversos estilos narrativos como cartas, diários, crônicas e contos narrados em primeira pessoa. É refúgio, ao oferecer morada para a literatura e o escreviver da mulher negra. Diria também, como leitora, que essa obra vem aproximar a literatura do corpo-poros-morada de cada um de nós.”
Cristhiano Aguiar indica Nove novena, de Osman Lins
“Publicado pela primeira vez em 1966, Nove, Novena é meu livro favorito do escritor pernambucano Osman Lins. Este livro, que inicia a fase mais experimental do autor, é uma excelente porta de entrada para o seu universo narrativo. Devemos redescobrir Lins pelo que existe de lírico e inventivo em sua prosa. É um desafio ler Osman? Sim, mas este desafio fará muito bem para o debate atual sobre literatura brasileira, pois os contos de Nove, Novena contribuem para expandirmos aquilo que entendemos como o potencial estético não só da nossa literatura, como da nossa língua.”
Julia Dantas indica As pequenas mortes, de Wesley Peres
“Um exercício de estilo, sem dúvida, mas também uma investigação sobre o valor (ou banalidade) da vida, o livro As pequenas mortes, de Wesley Peres aborda um evento trágico do Brasil, ainda que pouco lembrado: o acidente com o césio-137 em Goiânia. O narrador se debruça sobre os limites e possibilidades do corpo, num estudo sobre o câncer e o sexo, o amor e o ódio, a arte e a morte.”
Taiasmin Ohnmacht indica Santas de Casa, de Fátima Farias
“É um romance que aborda a vida de personagens femininas e seus cotidianos, os gestos simples através dos quais famílias negras fazem laços de afeto e constroem um lugar no mundo. Tudo isso oferecido aos olhos do leitor com uma linguagem carregada de poesia. A questão racial e social permeia toda a obra sem descuidar o tratamento literário, o que resulta em uma delicada escrita que circula entre o singular e coletivo. Um belo texto para ler em 2024, e que evoca aquilo que Conceição Evaristo nomeou como escrevivência.”
Ana dos Santos indica Canção para ninar menino grande, de Conceição Evaristo
“Minha indicação de leitura a ser descoberta em 2024 é o livro Canção para ninar menino grande de Conceição Evaristo (2022). “A ser descoberta” no sentido de descobrir, ou seja, tirar o véu da invisibilidade que cobre a autoria de mulheres negras brasileiras. O incômodo recente dos escritores e intelectuais brasileiros com a divulgação de uma lista de leituras obrigatórias para o vestibular, que é composta apenas por escritoras, reflete o quanto precisamos “recolocar autoras que tiveram ou têm importância no lugar onde deveriam estar nos últimos anos”, segundo o diretor executivo da instituição que realiza a prova.
O porquê da minha indicação também vem da importância e urgência do tema abordado no romance: as masculinidades negras. Na história do cânone literário brasileiro, a representação do homem negro sempre foi a da objetificação, animalização e marginalidade, sempre partindo do ponto de vista do homem branco, perfil dominante nas letras brasileiras. Nossa sociedade colonialista ainda guarda os resquícios do patriarcado ao tentar manter vozes de mulheres encobertas. Evaristo nos conta a saga do personagem negro Fio Jasmim a partir da perspectiva de mulheres negras.
O título do livro “Canção para ninar menino grande” faz referência ao gozo feminino de uma das personagens que se relaciona com Fio Jasmim, mas a canção também é a partitura de vozes femininas que compõem a persona do protagonista. A escrita de Conceição devolve a humanidade ao homem negro, que mesmo reproduzindo a cultura machista, não deixa de ter sonhos, desejos e sofrimentos. As masculinidades negras ainda carregam resquícios do colonialismo de Portugal sobre o território “afropindorâmico”, conceito do líder quilombola e escritor Antônio Bispo que reivindica o pensamento indígena e africano dos povos originários do Brasil.
Conceição Evaristo, contadora de histórias mineira, que desde o seu território colhe narrativas de mulheres negras através da escuta, cunhou o termo literário “escrevivência”, condição que sempre pretende marcar em sua escrita, não se esgotando em experiência pessoal, mas se enredando, sendo cúmplice e se (con)fundindo com tantas outras vivências de mulheres, palavras da autora na apresentação do livro.
Fio Jasmim é um mosaico de homens negros brasileiros construído pelas personagens Juventina, Aurora, Antonieta, Dolores, Dalva, Neide, Pérola Maria, Angelina e Eleonora que mesmo amando esse homem, projetam estereótipos da masculinidade tóxica nele na esperança de terem, só para si, a presença de Fio em suas vidas.
Conceição Evaristo tece uma prosa poética e suas passagens líricas são um livro à parte para quem gosta de poesia. A escritora tem o dom de pôr em palavras o dengo, o banzo, o cafuné, a solidão, a loucura, a raiva, o perdão. E o nosso anti-herói acaba por nos encantar porque é humano, demasiadamente humano, e é justamente uma das mulheres que consegue desvendar o que falta naquele homem, a ausência que todas as mulheres da sua vida não conseguiram preencher. No país que mais assassina homens negros diariamente, essa leitura salva as vidas negras que, sim, importam muito.”
Em outras notas
- Um grupo de autoras quer a anulação do resultado do Prêmio Carolina Maria de Jesus, divulgado pelo Ministério da Cultura em dezembro. O edital foi uma das primeiras ações do governo federal em 2023 relacionadas ao universo literário. O coletivo "Nós, Carolinas do Brasil" diz que o sistema de cotas estabelecido no edital teve o efeito oposto ao pretendido, segregando as escritoras negras da competição geral, ao invés de assegurar um número mínimo de premiadas. “Tal aplicação desastrosa [do sistema de cotas] resultou na destinação de mais da metade do prêmio, 60,66% (37 vagas), para escritoras que, no ato da inscrição, não se identificaram nem como negras, quilombolas, ciganas, indígenas ou PCD”, diz a carta. Saiba mais na matéria do portal Alma Negra.
- O portal G1 está fazendo uma série de matérias interessantes sobre o mercado editorial e audiolivros, um formato que está claramente sendo impulsionado no Brasil, com novas plataformas e iniciativas das editoras para produções de mais qualidade. Muito ligado também ao crescimento de trabalhos de qualidade de podcasts narrativos. Eles entrevistaram diversos profissionais do mercado do livro, entre eles da Companhia das Letras: "Somos um país de não-leitores, que abraçou o podcast e as ferramentas que já estão no nosso bolso. É um mercado com muito potencial", diz Marina Pastore, supervisora de produtos digitais da Companhia das Letras. Leia aqui.
- A Revista Quatro Cinco Um fez uma entrevista com Belén Correa, fundadora do Archivo Trans de Argentina que fala do papel da memória em perpetuar legado da comunidade e garantir que a história não se repita. O arquivo tem rodado o mundo, denunciando a violência, mas também mostrando a potência dos modos de vida e afetos da comunidade trans. Uma parada recente foi na 35ª Bienal de São Paulo, onde o AMT expôs a obra "Destellos”. Confira parte da entrevista no site da publicação.
Apóstrofos
- O Plural lançou sua tradicional lista de livros que serão publicados em 2024, confere aqui.
- As inscrições para o concurso literário da Ria Livraria vão de 15 a 30 de janeiro. Podem concorrer obras inéditas nos gêneros poesia, contos, romance, biografia e infantil. Participe.
- A editora Caos & Letras está com as inscrições abertas para a temporada de seleção de originais. Confira o regulamento e o formulário de inscrições aqui.
- Com o objetivo de difundir narrativas atualizadas pautadas em questões de raça e gênero, o Instituto Moreira Salles acaba de lançar o ebook Negras imagens − Formação a partir do acervo IMS. Baixe aqui.
Extras
O ano do Nonada Jornalismo já começou e também as nossas matérias especiais. Lançamos uma que conta por que as conferências de cultura são importantes para os trabalhadores do setor. Segundo a matéria, elas são a base da consolidação de políticas públicas da cultura no Brasil. A 4ª Conferência Nacional de Cultura trará a possibilidade de discutir e priorizar diretrizes para a execução da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), que possibilitará a irrigação de recursos públicos por 5 anos para todo o país, por meio da transferência de recursos aos estados fortalecendo o Sistema Nacional de Cultura. Saiba mais clicando aqui.
Se você veio até aqui, meu muito obrigado por ler a Redemoinho! O que você achou? O que gostaria de ver por aqui? Se gostou, compartilhe com amigos!
Fiquei muito interessado no livro de Wesley Peres.
Um redemoinho de Leituras!