Redemoinho #25 - Trechos de entrevistas nunca publicados (2)
A newsletter de literatura do Nonada Jornalismo
Olá, tudo bem?
Onde vocês moram há programas de rádio ou de televisão aberta que falem sobre livros? Que entrevistam escritoras e escritores? Debatem sobre a cadeia produtivo do livro? É cada vez mais raro que se discuta uma obra literária nessas mídias (e não estou falando sobre programas em canais públicos ou educativos). Fica a reflexão.
Nesta edição, trago mais trechos de entrevistas que fiz ao longo dos anos com escritoras e escritores. Para fazer textos mais longos prefiro a escuta do que ficar se intrometendo toda hora na fala do entrevistado, enchendo de perguntas. É preciso escutar e guiar a conversa de modo sutil. Fiz uma primeira parte algumas edições atrás, se você perdeu ou quer ler de novo, só clicar aqui.
Todos os textos das entrevistas aqui foram mantidos na linguagem coloquial. Bom, vamos lá.
Jeferson Tenório fala sobre processos de escrita (entrevista realizada em maio de 2022)
Não é que escrever tenha ficado mais fácil, escrever ficou cada vez mais difícil, quando você lê muita coisa e começa a produzir muita coisa, você começa a ficar mais exigente com a sua própria escrita. O que aconteceu com o Beijo da Parede até O Avesso da Pele é que hoje em dia, em função da minha pesquisa em teoria literária, eu tenho mais, digamos assim, instrumentos, para produzir uma narrativa longa, um romance, além disso, eu também tenho mais tempo para escrever. Não é tanto tempo, mas tenho mais tempo. Então, essa foi a diferença para os outros romances, é mais exaustivo, porque se entra em uma espécie de looping, pensando na história quase que 24 horas. Você fica ali imaginando conversas, diálogos, cenas, qualquer coisa você acaba fazendo vinculações, tudo que você faz na sua vida, no momento, parece que está ligado à história, então é bastante exaustivo, nesse sentido. Talvez esse seja um dos elementos para que O Avesso da Pele tenha sido escrito em um ano e meio, por eu ter feito todo esse trabalho mental. E não foi um trabalho que aconteceu só nesse um ano e meio, mas eram ideias que eu já tinha há mais tempo, então, não é uma história que surgiu do nada, ela tem toda uma caminhada até chegar ao momento da escrita.
Antônio Xerxenesky fala sobre processo de escrita e como isso muda ao longo dos anos e as fases da vida (entrevista realizada em dezembro de 2022)
Muda muito por questões que escritores não costumam falar, que é o que que está acontecendo na sua vida fora da escrita . O Areia nos Dentes, por exemplo, eu escrevi quando eu morava com os pais. Quais são os gastos de quem mora com os pais? Isso não se compara com a vida de alguém que tem um emprego fixo e um filho para cuidar.
Então cada livro meu foi muito: como que eu vou adequar o meu tempo de escrita ao tempo que eu de fato tenho para ser criativo? E isso, na verdade, é sempre uma reinvenção. Não teve um livro meu que foi a mesma situação. É muito diferente fazer um livro sendo CLT, um livro em uma residência artística. Se você não tem tempo para nada, você tem que planejar muito. Às vezes na sua própria cabeça, tipo, várias vezes agora eu ficava tomando banho, pensando em frases. E aí quando você vai ter aquele tempo livre, você já montou a frase na sua cabeça e você só digita, porque você não vai ter tempo para pensar na frente do computador.
Meu tempo livre para escrever era aproveitar quando meu filho dormia, porque estava na pandemia em casa, tendo três empregos. Digamos que a metade final do Tristeza Infinita foi escrita assim. Então, o quanto você planeja antes, o quanto sobra para a criação, o horário, tudo isso muda. E depende de vários fatores totalmente terrenos. Eu sempre fico imaginando, quando eu tava nessas residências, quando eu fui para IOWA, eu era o único escritor que tinha um emprego, porque eu era CLT. Ninguém tinha emprego, e eu conheci pessoas que nunca trabalharam na vida. Eu estava conversando com um poeta finlandês, que virou meu amigo, e ele me disse "putz, é que na Finlândia são pagos pelo Estado", ele perguntou se tinha algo assim no Brasil.
Fernanda Bastos fala sobre influências de outros campos artísticos em seu trabalho literário (entrevista realizada em outubro de 2022)
O pessoal da literatura se vê muito numa ilha, como se a literatura comandasse tudo, e eu gosto de ver a literatura em diálogo com outras artes. Eu tenho muitas referências literárias, porque eu sou uma leitora, mas do ponto de vista, assim, de formação de uma própria ideia de literatura e poesia, no sentido de projeto artístico, o campo das artes visuais é muito forte para mim. Até para entender o mercado editorial e essa ideia que muitas vezes nas artes visuais alguém paga para alguém produzir, que é o papel que tem por exemplo os financiadores para alguns autores de literatura. E nos Estados Unidos eles falam mais abertamente sobre isso, sobre ganhar bolsas, escrever porque foi financiado, porque alguém em alguma instituição apostou nessa pessoa para escrever, financiar essa literatura, porque ele vai ser importante para a nossa cultura. Para nós, essa ideia de ter uma editora [A Figura de Linguagem] para possibilitar que existam projetos é muito determinante para nós, então, acho importante essa a inspiração além da literatura para o projeto estético.
Em outras notas
- O governo federal brasileiro vai levar uma delegação de escritores para a Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBo), na Colômbia, em Bogotá. O evento acontece entre 17 de abril e 2 de maio, e o Brasil é o país convidado de honra. A curadoria da programação com os escritores brasileiros é da poeta Stefany Borges. Entre alguns dos escritores escritoras da delegação, estão, Luciany Aparecida, Ailton Krenak, Evando Nascimento, Paulliny Tort, Marcelino Freire, Amílcar Bettega, Rita Carelli, Daniel Munduruku, Bia Barros, Eliane Potiguara, Roger Mello, Eliane Marques, Geovane Martins, João Carrascoza, Guilherme Gontijo Flores, Bernardo Carvalho, Estevão Azevedo, Raphael Montes, Marcello Quintanilha, Jefferson Costa, Gabriela Güllich, Gabriel Góes, André Miranda, Rafael Coutinho, Juliana Russo e autora convidada da programação literária Ángela Cuartas. O Pavilhão Brasil, segundo a organização da FILBo, terá três mil metros quadrados dedicados a exposições, contendo apresentações em audiovisual e homenagens a nomes representativos da literatura brasileira.
- No dia do aniversário da escritora Carolina Maria de Jesus, 14 de março, o Instituto Moreira Salles (IMS) lançou um site sobre sua vida e obra. Lá, há uma extensa informação sobre a trajetória e a produção literária da escritora mineira, que se tornou internacionalmente conhecida com a publicação, em 1960, de seu livro Quarto de despejo. O espaço virtual é organizado em quatro seções, sendo elas: Biografia, Obras, Arquivo Vivo. A primeira é ilustrada com fotografias, reportagens e reproduções de manuscritos, traça uma linha do tempo da vida da autora, começando com o nascimento do seu avô. Há ainda vídeos, um deles com a filha Vera Eunice falando sobre a mãe, ou com a própria Carolina em seu sítio em Parelheiros, na periferia de São Paulo, para onde se mudou em 1969. "Tem uma proposta central neste site, que é o de ser um ponto de encontro, onde admiradores, estudiosos, leitores e todas as pessoas que se sentem tocadas por Carolina poderão compartilhar aspectos preciosos de sua vida e obra em movimento”, diz a professora e pesquisadora Fernanda Miranda, responsável pela concepção do projeto. Fernanda esteve à frente da pesquisa literária nos manuscritos de Carolina para a exposição Carolina Maria de Jesus, um Brasil para os brasileiros, exibida no IMS Paulista (2021) e no Museu de Arte do Rio – MAR (2023), entre outras instituições.
- Publicamos uma resenha sobre o livro Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho, do pesquisador caribenho Malcolm Ferdinand, lá no Nonada Jornalismo. A resenha é da Isabelle Rieger. Confira um trecho: “O texto é um convite a mudar a forma como se concebe o planeta – e agir em prol disso. O plantation, sistema de monocultura com mão de obra escravizada voltada para a exportação simboliza uma das formas de exploração que deixou o Planeta desta forma: praticamente destruído para todos que o habitam. Essa forma de extrativismo só consegue produzir um monofuturo insosso. Ele nega que existem formas diferentes de viver. Há quem não enxergue isso porque está alguns centímetros acima da miséria absoluta. Mesmo assim, estamos todos cercados dos mesmos limites do mundo e a recusa em ver acarreta mais chama para a destruição em curso. Na tempestade ecológica em curso, tapar os olhos não muda a disposição dos acontecimentos. Para Ferdinand, o pensamento ecológico a partir do Caribe subverte a lógica colonial de que esta região serve somente para o turismo exótico de colonizadores”. Leia completa.
Apóstrofos
- Vai rolar o curso O corpo feminino como protagonista do horror de forma online, com as escritoras Irka Barrios, Larissa Prado e Andréa Berriel. O encontro é no dia 21 de março, mais informações aqui.
- A Quatro Cinco Um fez uma curadoria de livros que foram censurados ao longo da história. Saiba quais são.
- Uma crônica sobre os diferentes contatos com o leitor, pelo escritor Marcelo Moutinho. Leia aqui.
Extra
Lá no Nonada Jornalismo, uma matéria sobre as transformações do carimbó. Atualmente, além de expressão da cultura popular paraense, virou também um espaço de resistência e de luta. A reportagem da Alicia Lobato mostra o movimento no qual a população LGBTQIA+ e as mulheres cis tem buscado espaço, com diferentes grupos que tocam e cantam por mais representatividade e diversidade. Leia aqui.
Se você veio até aqui, meu muito obrigado por ler a Redemoinho! O que você achou? O que gostaria de ver por aqui? Se gostou, compartilhe com amigos!
Quanta riqueza! Adoro conhecer os processos criativos dos autores!
Agradecido. Muito obrigado. Namastê.